Por Glacy Calassa
A pesquisa também aponta que vivências traumáticas e violentas na tenra infância podem levar a um aumento significativo da predisposição à depressão e, principalmente, ao uso problemático de drogas na vida adulta.
Pessoal, hoje quero falar de um assunto muito importante, sobre o impacto da violência nas crianças. Esse é um assunto amplamente discutido, todo mundo sabe, ouviu falar, tem Lei sobre o tema, mas na prática o problema continua e a cultura aceita.
Quero trazer uma pesquisa para embasar nossa discussão. Existem várias pesquisas que abordam o tema, mas eu não poderia escolher outra, vou falar do Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), que foi desenvolvido pelo INPAD/UNIAD da UNIFESP e abordou também questões específicas sobre violência na infância. A pesquisa traz dados interessantes, pontos de discussão que a gente já tinha ideia, mas agora fundamentado em dados.
Primeiro ponto é sobre o testemunho de violência doméstica. Ou seja, presenciar violência doméstica com agressão física entre pais ou cuidadores durante a infância e/ou adolescência, ver os pais brigarem. Presenciar a violência já tem um impacto negativo quase tão grande quanto ser propriamente vítima da agressão. O impacto em sua subjetividade e na formação de sua personalidade é quase igual a ele próprio estar sofrendo a violência. Então, não adianta não bater na criança, mas os familiares brigarem entre si na presença da criança. O ambiente continua violento e os impactos da violência permanecem.
Nós adultos precisamos melhorar a forma como nos relacionamos para poder educar crianças saudáveis. Não adianta focar num tratamento se não houver disposição de mudança de todo o núcleo familiar. Estamos falando de mudança no sistema e não somente em uma pessoa.
Estou trazendo esse assunto para nós percebermos o quão complexo é falar de violência. A proposta aqui é uma mudança cultural, na qual as pessoas passem a resolver seus conflitos de outra forma, que não a agressão. Parece normal porque apanhei, meus pais apanharam, meus avós e agora parece que só sabemos fazer isso. Mas, atualmente, já temos dados suficientes para buscar mudar essa forma de agir com as crianças.
Essa pesquisa traz para a gente um dado, no mínimo desconcertante: mais de dois a cada dez brasileiros relataram ter sido vítimas de algum tipo de violência física na infância ou adolescência (21,7%), representando mais de 30 milhões de pessoas. É muita gente, é muita violência, muita criança sofrendo! Outro dado que mexe muito com profissionais que atuam na área de dependência química, é que em dois a cada dez casos o agressor estava sob o efeito de álcool durante a agressão. Tinha que ter o álcool ou a droga aqui, claro, não tinha como fugir!
Na prática clínica também percebemos isso, em vários casos de uso de drogas ocorrem agressões no ambiente familiar. Esse dado é facilmente compreensível quando analisamos o fato de que o uso abusivo de álcool e outras drogas afeta funções cognitivas, mais especificamente funções executivas de autocontrole e freio social. Outro fato relevante é que o uso abusivo de álcool e outras drogas por pais e cuidadores afeta seu senso de responsabilidade, diminuindo o tempo e dinheiro disponíveis para o cuidado da criança. Quem nunca ouviu falar isso? Que fulano recebeu e utilizou todo o pagamento para consumir bebidas alcoólicas ou drogas? Dinheiro esse que vai fazer muita falta em itens básicos para as crianças. Fato corriqueiro, infelizmente.
Quero deixar bem claro nesse tópico que não estou dizendo que todos que fazem uso abusivo se tornam violentos, de forma alguma. Estou afirmando apenas que as pesquisas estão encontrando uma correlação. Correlação essa que também percebo em minha atuação clínica.
A pesquisa também aponta que vivências traumáticas e violentas na tenra infância podem levar a um aumento significativo da predisposição à depressão e, principalmente, ao uso problemático de drogas na vida adulta. Então, prestem bastante atenção papais e mamães: uma boa forma de prevenção é uma educação não violenta, educação positiva. Quer evitar que seu filho use drogas no futuro? Invista em uma educação positiva, sem traumas, com afeto, vínculo e responsabilidade.
É necessário ressaltar também que é dever da sociedade civil proteger a criança e o adolescente. Por isso em caso de maus tratos e negligência, devemos denunciar! Conselho tutelar ou denúncia anônima no disque 100. O que não vale é deixar uma criança em sofrimento. Se tivermos que pecar, que seja pelo excesso de cuidados e não pela falta. Não é normal aquela família que vive batendo nos filhos e deixando marcas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, impõe uma corresponsabilidade entre a família, a sociedade e o Poder Público pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Então, vou responder aquela pergunta: o filho não é seu, o que você tem a ver com isso? TUDO! Tudo a ver com isso. Pois essa criança pode crescer com sequelas. É dever de toda a sociedade a proteção das crianças e dos adolescentes.