Por Glacy Calassa
Se fôssemos resumir as relações interpessoais do indivíduo com esse transtorno, resumiria em duas palavras: INTENSIDADE e INSTABILIDADE.
Olá pessoal,
Eu, Glacy Calassa e o Dr. Aníbal Okamoto Junior iniciamos uma série de artigos sobre o transtorno da personalidade borderline, que serão publicados semanalmente. Esse é o segundo post. No post anterior falamos sobre o que é transtorno da personalidade, se você não viu acesse o blog aqui.
Hoje iremos falar o que é o transtorno da personalidade borderline. Contudo, antes de iniciarmos precisamos dizer que um dos piores fatores no tratamento é o preconceito. Ele ajuda a piorar o prognóstico (indicação do que irá acontecer no futuro). Não é justo que o paciente, além de lidar diariamente com suas dificuldades, ainda tenha que lidar com julgamentos e preconceitos vindos da própria equipe de saúde, de familiares ou pessoas próximas. Nossos pacientes já relataram, com muito sofrimento e dor, muitas situações de preconceito das quais foram vítimas. Por esse motivo, iniciamos o texto com a célebre frase de Henry Thoreau:
“Nunca é muito tarde para abandonarmos nossos preconceitos.”
Assim sendo, vamos falar sobre o transtorno da personalidade borderline com base nas mais recentes evidências científicas sobre o tratamento, mas não só isso. Iremos tentar expressar no texto nosso profundo respeito e admiração por essas pessoas que estão em sofrimento e buscando desesperadamente ajuda. Temos um carinho especial por nossos pacientes com esse transtorno, pois são pessoas com uma história de vida sofrida, com sérios traumas e que precisam de profissionais, não só, altamente capacitados, mas também empáticos e que consigam acolher.
O DSM-5 – Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição, afirma que a característica essencial desse transtorno é um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem, de afetos e de impulsividade.
Devido à história de vida que passaram, principalmente na infância e adolescência, esses indivíduos têm um medo grande do abandono, não importa se esse abandono é real ou imaginário, existindo só em seus pensamentos. Quando acreditam que pode haver uma separação ou rejeição, têm reações comportamentais intensas e desproporcionais, podendo incluir ações impulsivas como automutilação ou ideação e tentativas de suicídio. Em suas interpretações disfuncionais esse “abandono” significa para eles que são pessoas ruins, e isso causa muito desespero. Demandam muita atenção e a presença do outro. Existe um esforço desesperado para evitar o abandono e são muito sensíveis às circunstâncias ambientais. Imaginem o sofrimento que isso causa em todas as pessoas envolvidas?
Se fôssemos resumir as relações interpessoais do indivíduo com esse transtorno, resumiria em duas palavras: INTENSIDADE e INSTABILIDADE. Tudo é vivido com muita intensidade, mas pode não durar muito tempo. Ouvi uma vez, da psiquiatra Ana Beatriz Silva, uma analogia da qual gostei muito. Ela comparou o transtorno da personalidade borderline com um estado de paixão intensa. Imagine que você está muito apaixonado, nesse estado a emoção está à flor da pele. Há o desejo de ver toda hora a pessoa amada, estar ao lado dela, ligar de cinco em cinco minutos, saber absolutamente tudo da vida dela, mandar mensagem e quando essa pessoa te larga é como se o mundo acabasse e você fosse morrer. É uma dor intensa e insuportável. Agora imagine viver assim 24 horas, todos os dias da sua vida. Isso traz muitos problemas. O parceiro afetivo sente-se invadido e sufocado. Não entende essas reações emocionais extremas, então os conflitos nas relações surgem. Um familiar de um paciente borderline descreveu isso muito bem quando afirmou:
“É como se eu vivesse em uma montanha russa. Às vezes estou no céu e a sensação é maravilhosa, mas segundos depois dá um frio na barriga, uma queda brusca e tudo muda, estou no inferno novamente. Todos os meus dias são assim.”
Intensidade e instabilidade. Falamos para os pacientes que não existem características ruins e boas. Existe nosso jeito de ser e precisamos aprender a lidar com ele. Não necessariamente é ruim ser intenso, ao contrário, pode ser muito bom em alguns aspectos, contudo precisaremos modular a instabilidade e melhorar o padrão de relacionamento. Afinal, quem não gosta de estar apaixonado, de sentir o frio na barriga, de achar fofo um sinal leve de ciúmes? Mas, isso em um grau muito intenso e frequente, assusta e machuca. Por isso, é necessário terapia. Durante o tratamento iremos ressignificar os traumas vividos em idades precoces, pois, como já dissemos, esse padrão iniciou-se muito cedo na história de vida do sujeito. Iremos, paciente e terapeuta, em uma relação conjunta e de parceria, desenvolver novas formas de interpretar as informações recebidas nas relações interpessoais. Em outras palavras, mudar crenças e esquemas disfuncionais para que o paciente tenha uma reação emocional menos intensa e que não realize ações que coloquem em risco sua vida ou a vida de terceiros.
Antes de encerrar enfatizamos que tudo que descrevemos aqui tem apenas o intuito de informar. Se você acredita que tem algum dos traços apresentados, é importante procurar um profissional habilitado e capacitado para essa finalidade.
Até o próximo post pessoal, se vocês gostaram curtam e compartilhem.
Glacy Calassa
Psicóloga — CRP 01/ 16290
Aníbal Okamoto
Médico — CRM-DF 17.813
Sou amiga há 5 anos de uma pessoa que foi diagnosticada com transtorno de personalidade limítrofe. Sempre busquei ter paciência, porque desde o início era nítido que ela era bem mais sensível que a média. Esse ano tivemos nossa primeira discussão após eu ser assertiva e dura com certos comportamentos dela e cobrar o retorno a um tratamento. Após essa confrontação, que gerou revolta, não aceitação e sentimento de abandono, qual é a melhor forma de resgatar o vínculo sem reforçar eventual comportamento vitimista? O pêndulo virou de amiga pata inimiga. Obs. logo depois do diagnóstico ela abandonou a terapia que vinha fazendo há quase um ano.
Oi Aylah, Obrigada por seu comentário. É sempre bom ver pessoas tentando melhorar as relações, apesar de todas as dificuldades encontradas no dia a dia. Parabéns por sua sensibilidade!
No relacionamento diário com uma pessoa com transtorno borderline de personalidade é bom considerar que essa dificuldade e intensidade na resposta negativa tem muito mais haver com as características de personalidade e as estratégias para lidar com estresse do que com o fato. A pessoa que convive com esse transtorno pode apresentar dificuldade de reconhecer emoções das outras pessoas, justamente pelo medo do abandono. Ao menor sinal de rejeição ocorre o ataque ao vínculo, o que acaba por propiciar o que ela mais temia, o abandono. Uma das ações que pode ajudar nesse processo é tentar se expressar de forma adequada e sincera. Você pode explicar como se sentiu e como a situação impactou você. Demonstrar seu sofrimento, assumir seus erros e, ao mesmo tempo, reforçar que apesar dos conflitos, existe afeto e que a amizade é importante para você.
Por fim, é importante que sua amiga tenha suporte de um profissional para que ela consiga lidar melhor com todas essas questões. Glacy Calassa Psicóloga — CRP 01/16290