Por Glacy Calassa
Ainda não existe um modelo próprio para o tratamento de dependência de maconha, mas existem pesquisadores empenhados em desenvolver protocolos e intervenções específicas.
Adorada por uns e odiada por tantos outros, o uso recreativo da maconha ainda é um tema que gera muitas dúvidas e discordâncias. Hoje quero conversar com vocês sobre minha experiência clínica e os achados mais recentes que foram publicados em revistas de renome internacional.
Sou uma pessoa que apoia muito a democracia, o direito de escolha e a responsabilização de cada indivíduo. Contudo, cada vez mais tenho me preocupado com o grupo jovem. Infelizmente é uma realidade que os adolescentes estão experimentando drogas cada vez mais cedo. Os achados científicos trazem que o uso precoce de maconha pode acarretar graves consequências como: danos estruturais no cérebro, psicose, problemas de memória, atenção, planejamento, capacidade de decisão e sintomas psicóticos subclínicos.
Tenho ciência de que o tráfico e a violência gerada pela guerra contra as drogas mata mais do que as drogas em si. De que as drogas lícitas têm consequências tão ou mais graves que as drogas ilícitas, contudo, é necessário pensar sobre todos os ângulos. É necessário pensar em formas de proteger as crianças e os adolescentes desse uso precoce e dos danos irreversíveis que causam ao seu desenvolvimento.
O tema é tão complexo que quando o profissional que atua hoje na área de dependência química vai atender um usuário de maconha, não basta perguntar sobre quantidade e frequência. O indivíduo pode usar diferentes tipos de maconha, que vão de 2% até 30% de Tetrahidrocanabinol (THC).
Atualmente tenho visto na clínica grande quantidade de pacientes usuários de maconha buscando tratamento e acredito que esse número tende a aumentar, principalmente entre os jovens. A grande questão é saber se os profissionais estão preparados para atuar com essa clientela, que tem uma demanda totalmente diferente dos usuários de outras drogas.
Em São Paulo já existe o ambulatório especializado em maconha, uma iniciativa inédita no Brasil. Em Brasília ainda não temos um serviço específico. Temos alguns CAPS AD que atendem essa demanda e alguns profissionais especializados atendendo na rede privada, de forma ambulatorial. Contudo, devido à especificidade desse grupo, não dá para atender junto com outras dependências, como a de álcool ou crack. Ainda não existe um modelo próprio para o tratamento de dependência de maconha, mas existem pesquisadores empenhados em desenvolver protocolos e intervenções específicas. Enquanto isso, é atuar nos seguintes eixos principais: orientação de pais/família, abordagem motivacional e habilidades sociais, manejo de contingência e reabilitação cognitiva.
Muitos profissionais também tentam fazer prevenção ao tema, sem, contudo, estarem fundamentados em evidências científicas. Vale lembrar que o programa TAMUJUNTO (programa do Ministério da Saúde) e o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), desenvolvido pela Polícia Militar em parceria com as escolas, têm fortes questionamentos quanto a sua eficácia, demonstrando inclusive efeitos iatrogênicos (complicações causadas por uma intervenção).
Isso demonstra que nessa área não basta ter boa vontade, é necessário ter amplo conhecimento e experiência. Todas as intervenções devem ter embasamento científico e acompanharem as mais recentes pesquisas sobre a eficácia e efetividade.
Muitos jovens usuários de maconha precisam de intervenção. Existem indivíduos que fazem uso recreativo da substância, mas outros desenvolvem dependência. Esses precisarão de atendimento especializado e quanto mais precoce, melhor. A intervenção não foca somente o uso abusivo, mas o projeto de vida e suas relações.
E aí, conhece alguém que faz uso abusivo de maconha? Que tal conversar sobre o assunto, sem tabus? Afinal, informação de qualidade salva vidas!