O adolescente, a maconha e a escola: um breve relato de caso

Por Glacy Calassa

Ele, com a cabeça baixa e desviando o olhar sorriu de volta como em um contrato implícito, com expressões faciais dissemos um para o outro “tem solução, vamos trabalhar juntos! Vai dar certo! ”

O garoto, que irei chamar aqui de Pedro, tem 16 anos. Queixa principal da família: desinteresse do adolescente pelos estudos e uso abusivo de maconha. De acordo com a mãe, o garoto teve problema em todas as escolas que passou e traz um histórico de 5 reprovações por falta.

No contato com Pedro ele relata que tem pânico da escola. Desde muito pequeno o pai dizia que ele era burro e não aprenderia. Dava tapas em sua cabeça na hora de ensinar as tarefas e, alcoolizado, olhava com ar de reprovação para o filho. Aquele olhar ficou marcado, e Pedro, ainda muito pequeno, internalizou as palavras negativas do pai e passou a acreditar que não se daria bem com a escola.

Relata que quando entra na sala de aula todos olham para ele e riem. Não entende o porquê, qualquer coisa que ele fala em sala de aula vira chacota, resolveu então se calar e se isolar. A escola virou um ambiente hostil e ele está o tempo todo em estado de alerta. Afirma que seu coração bate mais forte e que quando alguém fala com ele, tem a sensação de que vai desmaiar. Tenta disfarçar e não quer que ninguém saiba o que se passa dentro dele.

Nesse meio tempo, experimentou a maconha e percebeu que ela funcionava como um ansiolítico. Passou a usar antes das aulas para conseguir “enfrentar” o ambiente escolar. Contudo, o que não percebeu, era que cada vez que se escondia na maconha, tinha mais dificuldade de interação, de aprendizagem, aumento do pânico e aumento da necessidade do uso da maconha, como uma bola de neve.

Não consegue explicar para a família seus sentimentos em relação à escola, simplesmente fala “não gosto de estudar”, “me deixem”. Os familiares, por sua vez, acreditam que esse comportamento “rebelde” acontece pelo uso de drogas. Não existe diálogo, não existe compreensão, ambas as partes estão isoladas, cada um em seu ponto de vista.

Tem consciência da importância da escola, deseja um futuro melhor para si próprio, mas sente-se incapaz de enfrentar situações sociais, principalmente a escola, sem estar sob o efeito da maconha.

No estabelecimento de metas terapêuticas iniciais definiu que gostaria de ser “um garoto normal”, se relacionar com os colegas de sala de aula, ter uma namorada e terminar os estudos. Nesse momento olhei para ele e sorri, estava feliz por ele estar ali, por ter conseguido expressar algo tão difícil. Ele, com a cabeça baixa e desviando o olhar sorriu de volta como em um contrato implícito, com expressões faciais dissemos um para o outro “tem solução, vamos trabalhar juntos! Vai dar certo!” Saímos otimistas, começava agora uma nova fase em sua vida!

Muitas vezes a família, a escola e até mesmo profissionais de saúde só conseguem olhar para o uso de drogas, pois esse é o sintoma mais aparente. Contudo, a dependência química é somente a “cereja do bolo”. Há muitas coisas por trás desse comportamento que precisa ser investigado. Existe um ser humano pedindo ajuda, não de maneira convencional, mas é um pedido de ajuda. Devemos ter um olhar atento aos jovens e quando o comportamento for de rebeldia, tentar ser mais acolhedor e buscar soluções em conjunto.

Nesse caso, como em vários outros, existem muitas coisas que precisam ser trabalhadas além do uso de drogas: a autoestima, o desenvolvimento de habilidades sociais, a relação com a família para que consigam se expressar, pedir e solicitar ajuda, projeto de vida, rede social de apoio… e lá no final será muito mais fácil trabalhar o uso abusivo da maconha, pois o espaço da substância na vida dele se tornará cada vez menor.

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